quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Indecorosa solidariedade

O homem moderno é indiscutivelmente mais evoluído que o de épocas passadas, mormente nos campos econômico e tecnológico. Tal evolução, entretanto, ocorreu em detrimento de importantes valores morais e sociais. O egocentrismo - tendência romântica - impregnou o pensamento do homem e, amalgamado a outros fatores, jogou, de modo geral, nossa solidariedade no esquecimento.
O homem perdeu seu senso de coletividade; importamo-nos somente com aquilo que nos interessa, e há muito deixamos de pensar no próximo - em uma criança, por exemplo - como alguém que nos concerne. O indivíduo considera-se alheio a todos os outros e, portanto, em um patamar superior de importância.
Lévi-Strauss, renomado sociólogo contemporâneo, dividia as sociedades em quentes - as evoluídas - e frias - as primitivas. As sociedades frias, contudo , embora paradas no tempo, mantiveram valores importantes para a convivência aprazível em comunidade: são frias por sua estagnação tecno-industrial e econômica, mas no tocante à moral coletiva e à valorização dos outros - ou seja, nas relações humanas - emanam calor.
Entrecorre que a nossa solidariedade mecânica - o compartilhamento de valores e interesses iguais por todos, segundo Émile Durkheim - está sendo inteiramente convertida na chamada solidariedade orgânica - individualista e que nos leva a viver em sociedade simplesmente para que haja a satisfação de suas necessidades básicas, conforme o mesmo sociólogo -, quando ambas deveriam coexistir. Tornamo-nos indiferentes ao que ocorre em nosso entorno. As relações inter-pessoais foram sintetizadas a tal ponto que o meio social agora é um aglomerado de núcleos pessoais semi-isolados.
Como isso não bastando, a pouca solidariedade restante é suprimida por causa da indecorosa realidade que se corrobora em tempos hodiernos, marcada pela violência, calúnia, hipocrisia e enganação. Tudo isso, em conjunto, é o que leva uma pessoa a ver uma criança aparentemente abandonada na rua e nem cogitar a possibilidade de assisti-la.
Caso não nos manifestemos, a previsão (em um futuro próximo) é que as circunstâncias agravem-se e as relações humanas tornem-se irreversivelmente superficiais. Precisamos retomar valores, parar, mesmo que só um pouco, de pensar em nós mesmos e nos atermos às questões sociais. Ou, como diria Jean-Jacques Rousseau, relembremos nossa bondade natural - a qual ainda se mostra nas não tão frígidas sociedades de Strauss - para que nos tornemos capazes de auxiliar aqueles a nossa volta mesmo quando isso não nos trouxer algum retorno.

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