segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Inerme



Eis-me combalida e absorta
em pesares dolorosos,
que por certo em minha vida
hão de ser calamitosos.

Eis-me divagando as horas,
rogando utópica ajuda,
pedindo às forças maiores
para que o sonho me iluda.

Eis-me em pseudo-tirania
fantasiando o passado,
mantendo minha mania
de desejar-te ao meu lado.

Eis-me escassa de razão,
levada a devanear,
tomada pela emoção,
inerme hei de ficar.

Rianny Flavia

Inerme



Eis-me combalida e absorta
em pesares dolorosos,
que por certo em minha vida
hão de ser calamitosos.

Eis-me divagando as horas,
rogando utópica ajuda,
pedindo às forças maiores
para que o sonho me iluda.

Eis-me em pseudo-tirania
fantasiando o passado,
mantendo minha mania
de desejar-te ao meu lado.

Eis-me escassa de razão,
levada a devanear,
tomada pela emoção,
inerme hei de ficar.

Rianny Flavia

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Pontes intergeracionais.

A dinamização da sociedade, estimulada pela tecnologia, impulsiona os seres humanos a uma adaptação constante, de forma a manterem-se atualizados para estarem aptos a agir no meio social. Tal processo, apesar de incitar o desenvolvimento, obriga-nos a um ritmo mais elevado que o natural, e tal ritmo leva ao surgimento de uma nova geração a cada dez ou quinze anos, quando antes tardavam trinta, tornando o conflito entre gerações cada vez mais intenso.
O homem nunca lidou bem com as diferenças, como percebe-se no processo histórico de colonização das Américas - com o extermínio dos indígenas - e na expansão nazista - que tentava eliminar negros e semitas. Por mais que pareçam exagerados em comparação aos atuais conflitos que se corroboram na sociedade, são ilustração conveniente do etnocentrismo característico do homem. Com gostos, valores e interesses tão distintos, idosos, adolescentes, adultos e crianças acabam estigmatizando-se - o que ocorre especialmente a partir dos segmentos mais jovens para com os mais velhos.
Tais diferenças, no entanto, são inerentes ao homem e, conforme o Determinismo de Hippolyte Tayne, determinam-o através do meio em que se desenvolvem. No Brasil, por exemplo, tivemos uma geração X, agrária e centralizada nas regiões Nordeste e Sudeste; uma geração Y, oprimida por um governo militar que tentou suprimir a cultura e o intelecto humanos; uma geração W, que pagou com cruzado, cruzeiro e real, e pintou a cara para fazer valer sua cidadania; e agora uma geração Z vive um Brasil com economia consolidada e alçando voo no cenário internacional. Assim, é impossível que exista homogeneização social, e cabe ao ser humano buscar harmonizar-se através das semelhanças, ao invés de buscar o conflito naquilo que difere.
Por maiores que sejam as diferenças, duas gerações sempre terão algo em comum - seja a passagem de conhecimento entre pais e filhos, seja uma geração intermediária ligando-os, como fazem os pais entre avós e netos. Tais ligações são os elos entre núcleos tão divergentes que abrigam uma mesma comunidade, e garantem a integridade dessa, atuando como verdadeiras pontes intergeracionais.

Pontes intergeracionais.

A dinamização da sociedade, estimulada pela tecnologia, impulsiona os seres humanos a uma adaptação constante, de forma a manterem-se atualizados para estarem aptos a agir no meio social. Tal processo, apesar de incitar o desenvolvimento, obriga-nos a um ritmo mais elevado que o natural, e tal ritmo leva ao surgimento de uma nova geração a cada dez ou quinze anos, quando antes tardavam trinta, tornando o conflito entre gerações cada vez mais intenso.
O homem nunca lidou bem com as diferenças, como percebe-se no processo histórico de colonização das Américas - com o extermínio dos indígenas - e na expansão nazista - que tentava eliminar negros e semitas. Por mais que pareçam exagerados em comparação aos atuais conflitos que se corroboram na sociedade, são ilustração conveniente do etnocentrismo característico do homem. Com gostos, valores e interesses tão distintos, idosos, adolescentes, adultos e crianças acabam estigmatizando-se - o que ocorre especialmente a partir dos segmentos mais jovens para com os mais velhos.
Tais diferenças, no entanto, são inerentes ao homem e, conforme o Determinismo de Hippolyte Tayne, determinam-o através do meio em que se desenvolvem. No Brasil, por exemplo, tivemos uma geração X, agrária e centralizada nas regiões Nordeste e Sudeste; uma geração Y, oprimida por um governo militar que tentou suprimir a cultura e o intelecto humanos; uma geração W, que pagou com cruzado, cruzeiro e real, e pintou a cara para fazer valer sua cidadania; e agora uma geração Z vive um Brasil com economia consolidada e alçando voo no cenário internacional. Assim, é impossível que exista homogeneização social, e cabe ao ser humano buscar harmonizar-se através das semelhanças, ao invés de buscar o conflito naquilo que difere.
Por maiores que sejam as diferenças, duas gerações sempre terão algo em comum - seja a passagem de conhecimento entre pais e filhos, seja uma geração intermediária ligando-os, como fazem os pais entre avós e netos. Tais ligações são os elos entre núcleos tão divergentes que abrigam uma mesma comunidade, e garantem a integridade dessa, atuando como verdadeiras pontes intergeracionais.

Meio-termo necessário

A busca pela beleza não é característica recente. A exaltação do belo, na Antiguidade Clássica, era onipresente, inclusive nas Artes, que agiam como a mídia hodierna ao mostrar o padrão de perfeição física cultivado, com o diferencial de que, agora, muitas pessoas chegam a extremos para alcançar tai padrões, colocando em risco a própria saúde - como no mito de Narciso.
A valorização demasiada do corpo vem sempre acompanhada de uma depreciação do humano, o qual é massificado, acarretando problemas psicológicos. Trata-se, portanto, de uma questão paradoxal: por um lado, os cuidados com alimentação e prática de exercícios - que promove saúde ao corpo -; por outro, a obsessão e o estresse, prejudiciais à saúde mental.
Na Idade Média, as questões estéticas ficaram relegadas ao segundo plano. Valorizava-se o interior, representado em maior instância no exercício da fé acima de tudo. Sabe-se que é preciso cuidar bem do corpo para manter-se saudável, mas naquela época, por exemplo, nem e tinha registros sobre doenças como anorexia e bulimia.
Percebe-se, conforme o supracitado, que é preciso um ponto intermediário entre a valorização do corpo e da mente, alcançando uma elevação de ambos, não se sujeitando à compulsão desmedida e prejudicial - e para que seja buscado esse meio-termo é preciso conscientização social. Tal conclusão é confirmada através da afirmação aristotélica: a felicidade se alcança pela virtude, e a virtude é a justa medida entre o excesso e a falta.

Meio-termo necessário

A busca pela beleza não é característica recente. A exaltação do belo, na Antiguidade Clássica, era onipresente, inclusive nas Artes, que agiam como a mídia hodierna ao mostrar o padrão de perfeição física cultivado, com o diferencial de que, agora, muitas pessoas chegam a extremos para alcançar tai padrões, colocando em risco a própria saúde - como no mito de Narciso.
A valorização demasiada do corpo vem sempre acompanhada de uma depreciação do humano, o qual é massificado, acarretando problemas psicológicos. Trata-se, portanto, de uma questão paradoxal: por um lado, os cuidados com alimentação e prática de exercícios - que promove saúde ao corpo -; por outro, a obsessão e o estresse, prejudiciais à saúde mental.
Na Idade Média, as questões estéticas ficaram relegadas ao segundo plano. Valorizava-se o interior, representado em maior instância no exercício da fé acima de tudo. Sabe-se que é preciso cuidar bem do corpo para manter-se saudável, mas naquela época, por exemplo, nem e tinha registros sobre doenças como anorexia e bulimia.
Percebe-se, conforme o supracitado, que é preciso um ponto intermediário entre a valorização do corpo e da mente, alcançando uma elevação de ambos, não se sujeitando à compulsão desmedida e prejudicial - e para que seja buscado esse meio-termo é preciso conscientização social. Tal conclusão é confirmada através da afirmação aristotélica: a felicidade se alcança pela virtude, e a virtude é a justa medida entre o excesso e a falta.

Conflito de identidades

O Brasil é um país de contrastes; seu relevo, clima, fauna, flora e cultura são de uma riqueza e variedade raras. Não poderia ser diferente na língua, já que essa é o maior retrato da nossa identidade cultural. Mas tamanha variação gera conflitos, e de tais brota a discussão acerca da necessidade de ensinar a variante coloquial da linguagem nas escolas, necessidade que inexiste.
A norma culta da língua é a única a ser transmitida, enfaticamente. Não há utilidade em ministrar aulas sobre algo que todos sabem. Seria desperdício total de tempo, visto que todo brasileiro conhece, naturalmente, a linguagem coloquial, e a ouve e exercita a todo momento - o que não ocorre com a norma padrão.
A variante culta da língua portuguesa é muito mais complexa, repleta de regras, alem de ser aquela requisitada nos meios acadêmico e profissional - sendo, portanto, a que merece destaque, ao menos nas instituições de ensino. Como afirmou o escritor e linguista Marcos Bagno, "cabe à escola ensinar aos alunos o que eles não sabem".
Vale ressaltar, entretanto, que não ensinar a forma coloquial da língua não é o mesmo que desmerecê-la, apenas não é prioridade. Não se pode ser radical, é preciso ser aristotélico ("a virtude é a justa medida entre a falta e o excesso"), estabelecendo um meio termo, não sendo nem parnasiano - valorizando apenas a erudição - nem modernista - dizendo que a escrita e todo o resto devem ser regidas pela fala.
Faz-se necessário conscientizar os desinformados que não há erro em dizer "isso é pra mim fazer", já que não há erro na fala - para amenizar o preconceito linguístico. No entanto, acima disso, é preciso conceder a todos um bom domínio da norma culta, para que - quando necessário - qualquer um saiba bem utilizá-la, mostrando sua "brasilidade" ao conhecer profundamente a sua língua, puro retrato de sua identidade.

Conflito de identidades

O Brasil é um país de contrastes; seu relevo, clima, fauna, flora e cultura são de uma riqueza e variedade raras. Não poderia ser diferente na língua, já que essa é o maior retrato da nossa identidade cultural. Mas tamanha variação gera conflitos, e de tais brota a discussão acerca da necessidade de ensinar a variante coloquial da linguagem nas escolas, necessidade que inexiste.
A norma culta da língua é a única a ser transmitida, enfaticamente. Não há utilidade em ministrar aulas sobre algo que todos sabem. Seria desperdício total de tempo, visto que todo brasileiro conhece, naturalmente, a linguagem coloquial, e a ouve e exercita a todo momento - o que não ocorre com a norma padrão.
A variante culta da língua portuguesa é muito mais complexa, repleta de regras, alem de ser aquela requisitada nos meios acadêmico e profissional - sendo, portanto, a que merece destaque, ao menos nas instituições de ensino. Como afirmou o escritor e linguista Marcos Bagno, "cabe à escola ensinar aos alunos o que eles não sabem".
Vale ressaltar, entretanto, que não ensinar a forma coloquial da língua não é o mesmo que desmerecê-la, apenas não é prioridade. Não se pode ser radical, é preciso ser aristotélico ("a virtude é a justa medida entre a falta e o excesso"), estabelecendo um meio termo, não sendo nem parnasiano - valorizando apenas a erudição - nem modernista - dizendo que a escrita e todo o resto devem ser regidas pela fala.
Faz-se necessário conscientizar os desinformados que não há erro em dizer "isso é pra mim fazer", já que não há erro na fala - para amenizar o preconceito linguístico. No entanto, acima disso, é preciso conceder a todos um bom domínio da norma culta, para que - quando necessário - qualquer um saiba bem utilizá-la, mostrando sua "brasilidade" ao conhecer profundamente a sua língua, puro retrato de sua identidade.

Transgressão do arbítrio.

O Estado é a entidade que tem como papel administrar a nação, garantindo o desenvolvimento harmônico de todas as suas instâncias, assegurando a aplicação das leis. Para manter esse equilíbrio, constantemente é preciso criar novas normas, no entanto, às vezes, ocorre um exagero por parte do Governo, o qual acaba por transgredir a individualidade do cidadão, o que leva à necessidade de um maior esclarecimento sobre a tênue linha que separa o indivíduo da coletividade.
Exemplo de tal atitude violadora se apresenta na lei que tornou obrigatório o uso do cinto de segurança, que causou tumultos à época de sua aplicação, nos anos 1994/1995. Como afirmou o sociólogo e colunista da Folha de São Paulo Marcelo Coelho, trata-se de uma lei que "está em desacordo com os princípios liberais".
O artigo 5º da Constituição Brasileira - cláusula pétrea da Carta Magna, ou seja, que não se pode abolir -, em seu inciso X, afirma "serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas"; portanto, o Estado não detém o direito de ferir a liberdade individual do cidadão - o Governo deve atuar de modo a prevenir a lesão de um ou mais cidadãos por um outro, assim a menos que um indivíduo aja de forma propícia a arriscar a integridade alheia, não compete ao Estado intervir em suas ações.
Afirmou o filósofo e humanista Carlos Pecotche que "a liberdade é prerrogativa natural do ser humano", sendo-lhe, então, inalienável, de forma tal que nem mesmo o Governo pode cerceá-la, a não ser que uma pessoa aja com o intuito de espoliar outrem.
Conforme os contratualistas Thomas Hobbes e John Locke, os homens abdicaram de sua liberdade total - quando viviam isolados - a fim de que se assegurasse a ordem e a propriedade legal daquilo que detêm, respectivamente. Dessa forma, os homens cederam poder ao Estado, entidade que trabalharia pela manutenção da paz e da individualidade. Essa instituição não pode, portanto, ferir os direitos cujo motivo de sua existência é proteger. Da mesma maneira que suicídio não constitui crime, nenhuma ação de um indivíduo inócua à sociedade precisa ou deve ser reprimida. Caso ocorra, o princípio do Contratualismo está quebrado, podendo desencadear o retorno ao Estado de Natureza - no qual "o homem é o lobo do homem" (Thomas Hobbes) - e à anarquia.

Transgressão do arbítrio.

O Estado é a entidade que tem como papel administrar a nação, garantindo o desenvolvimento harmônico de todas as suas instâncias, assegurando a aplicação das leis. Para manter esse equilíbrio, constantemente é preciso criar novas normas, no entanto, às vezes, ocorre um exagero por parte do Governo, o qual acaba por transgredir a individualidade do cidadão, o que leva à necessidade de um maior esclarecimento sobre a tênue linha que separa o indivíduo da coletividade.
Exemplo de tal atitude violadora se apresenta na lei que tornou obrigatório o uso do cinto de segurança, que causou tumultos à época de sua aplicação, nos anos 1994/1995. Como afirmou o sociólogo e colunista da Folha de São Paulo Marcelo Coelho, trata-se de uma lei que "está em desacordo com os princípios liberais".
O artigo 5º da Constituição Brasileira - cláusula pétrea da Carta Magna, ou seja, que não se pode abolir -, em seu inciso X, afirma "serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas"; portanto, o Estado não detém o direito de ferir a liberdade individual do cidadão - o Governo deve atuar de modo a prevenir a lesão de um ou mais cidadãos por um outro, assim a menos que um indivíduo aja de forma propícia a arriscar a integridade alheia, não compete ao Estado intervir em suas ações.
Afirmou o filósofo e humanista Carlos Pecotche que "a liberdade é prerrogativa natural do ser humano", sendo-lhe, então, inalienável, de forma tal que nem mesmo o Governo pode cerceá-la, a não ser que uma pessoa aja com o intuito de espoliar outrem.
Conforme os contratualistas Thomas Hobbes e John Locke, os homens abdicaram de sua liberdade total - quando viviam isolados - a fim de que se assegurasse a ordem e a propriedade legal daquilo que detêm, respectivamente. Dessa forma, os homens cederam poder ao Estado, entidade que trabalharia pela manutenção da paz e da individualidade. Essa instituição não pode, portanto, ferir os direitos cujo motivo de sua existência é proteger. Da mesma maneira que suicídio não constitui crime, nenhuma ação de um indivíduo inócua à sociedade precisa ou deve ser reprimida. Caso ocorra, o princípio do Contratualismo está quebrado, podendo desencadear o retorno ao Estado de Natureza - no qual "o homem é o lobo do homem" (Thomas Hobbes) - e à anarquia.

Indecorosa solidariedade

O homem moderno é indiscutivelmente mais evoluído que o de épocas passadas, mormente nos campos econômico e tecnológico. Tal evolução, entretanto, ocorreu em detrimento de importantes valores morais e sociais. O egocentrismo - tendência romântica - impregnou o pensamento do homem e, amalgamado a outros fatores, jogou, de modo geral, nossa solidariedade no esquecimento.
O homem perdeu seu senso de coletividade; importamo-nos somente com aquilo que nos interessa, e há muito deixamos de pensar no próximo - em uma criança, por exemplo - como alguém que nos concerne. O indivíduo considera-se alheio a todos os outros e, portanto, em um patamar superior de importância.
Lévi-Strauss, renomado sociólogo contemporâneo, dividia as sociedades em quentes - as evoluídas - e frias - as primitivas. As sociedades frias, contudo , embora paradas no tempo, mantiveram valores importantes para a convivência aprazível em comunidade: são frias por sua estagnação tecno-industrial e econômica, mas no tocante à moral coletiva e à valorização dos outros - ou seja, nas relações humanas - emanam calor.
Entrecorre que a nossa solidariedade mecânica - o compartilhamento de valores e interesses iguais por todos, segundo Émile Durkheim - está sendo inteiramente convertida na chamada solidariedade orgânica - individualista e que nos leva a viver em sociedade simplesmente para que haja a satisfação de suas necessidades básicas, conforme o mesmo sociólogo -, quando ambas deveriam coexistir. Tornamo-nos indiferentes ao que ocorre em nosso entorno. As relações inter-pessoais foram sintetizadas a tal ponto que o meio social agora é um aglomerado de núcleos pessoais semi-isolados.
Como isso não bastando, a pouca solidariedade restante é suprimida por causa da indecorosa realidade que se corrobora em tempos hodiernos, marcada pela violência, calúnia, hipocrisia e enganação. Tudo isso, em conjunto, é o que leva uma pessoa a ver uma criança aparentemente abandonada na rua e nem cogitar a possibilidade de assisti-la.
Caso não nos manifestemos, a previsão (em um futuro próximo) é que as circunstâncias agravem-se e as relações humanas tornem-se irreversivelmente superficiais. Precisamos retomar valores, parar, mesmo que só um pouco, de pensar em nós mesmos e nos atermos às questões sociais. Ou, como diria Jean-Jacques Rousseau, relembremos nossa bondade natural - a qual ainda se mostra nas não tão frígidas sociedades de Strauss - para que nos tornemos capazes de auxiliar aqueles a nossa volta mesmo quando isso não nos trouxer algum retorno.

Indecorosa solidariedade

O homem moderno é indiscutivelmente mais evoluído que o de épocas passadas, mormente nos campos econômico e tecnológico. Tal evolução, entretanto, ocorreu em detrimento de importantes valores morais e sociais. O egocentrismo - tendência romântica - impregnou o pensamento do homem e, amalgamado a outros fatores, jogou, de modo geral, nossa solidariedade no esquecimento.
O homem perdeu seu senso de coletividade; importamo-nos somente com aquilo que nos interessa, e há muito deixamos de pensar no próximo - em uma criança, por exemplo - como alguém que nos concerne. O indivíduo considera-se alheio a todos os outros e, portanto, em um patamar superior de importância.
Lévi-Strauss, renomado sociólogo contemporâneo, dividia as sociedades em quentes - as evoluídas - e frias - as primitivas. As sociedades frias, contudo , embora paradas no tempo, mantiveram valores importantes para a convivência aprazível em comunidade: são frias por sua estagnação tecno-industrial e econômica, mas no tocante à moral coletiva e à valorização dos outros - ou seja, nas relações humanas - emanam calor.
Entrecorre que a nossa solidariedade mecânica - o compartilhamento de valores e interesses iguais por todos, segundo Émile Durkheim - está sendo inteiramente convertida na chamada solidariedade orgânica - individualista e que nos leva a viver em sociedade simplesmente para que haja a satisfação de suas necessidades básicas, conforme o mesmo sociólogo -, quando ambas deveriam coexistir. Tornamo-nos indiferentes ao que ocorre em nosso entorno. As relações inter-pessoais foram sintetizadas a tal ponto que o meio social agora é um aglomerado de núcleos pessoais semi-isolados.
Como isso não bastando, a pouca solidariedade restante é suprimida por causa da indecorosa realidade que se corrobora em tempos hodiernos, marcada pela violência, calúnia, hipocrisia e enganação. Tudo isso, em conjunto, é o que leva uma pessoa a ver uma criança aparentemente abandonada na rua e nem cogitar a possibilidade de assisti-la.
Caso não nos manifestemos, a previsão (em um futuro próximo) é que as circunstâncias agravem-se e as relações humanas tornem-se irreversivelmente superficiais. Precisamos retomar valores, parar, mesmo que só um pouco, de pensar em nós mesmos e nos atermos às questões sociais. Ou, como diria Jean-Jacques Rousseau, relembremos nossa bondade natural - a qual ainda se mostra nas não tão frígidas sociedades de Strauss - para que nos tornemos capazes de auxiliar aqueles a nossa volta mesmo quando isso não nos trouxer algum retorno.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Desastrosos egoísmo e ignorância.

É fato: a Floresta Amazônica corre absurdo perigo. As estatísticas apontam dados cada vez mais alarmantes, e o Governo encobre seu descaso com falácias sobre a tomada de atitude, enquanto a fauna e as tribos nativas - que da floresta dependem - são grandemente lesados, ao mesmo tempo que o mais vasto e opulento ecossistema terrestre é agredido, arruinado e espoliado.
São inúmeros os ataques que a floresta sofre, todos movidos de forma ignorante pelo egoísmo humano, e que trazem assombrosas consequências. O desmatamento visando ao comércio ilegal; as queimadas promovidas por agricultores e pecuaristas que avançam sobre áreas de reserva por demandar um menor custo do que o investimento em métodos de produção intensivos; e o extrativismo mineral que, além de causar profunda erosão, contamina cursos d'água através da consequente deposição elevada de metais pesados em seus leitos (sejam resíduos do próprio produto extraído ou do método de extração, como no caso do mercúrio, utilizado no garimpo de ouro).
A Amazônia pode não ser o pulmão do mundo, mas é de singular importância para a manutenção do ciclo hidrológico - e, em decorrência, biológico - de grande parte do planeta. Ela é responsável por reter e possibilitar, assim, a evaporação de majestosas massas de água, combatendo o aquecimento global e sendo a principal reguladora do regime de chuvas de toda a América Latina - influenciando ainda nos climas de parte da América do Norte e África. Prejudicar o regime de chuvas acarreta prejuízos a toda a produção agropecuária (base da economia brasileira) e energética do Brasil - predominantemente hidrelétrica.
Enquanto a natureza sofre, os políticos mal tentam homiziar seu descaso - esse responsável por levar, no segundo mandato de Lula, a então ministra do Meio Ambiente Marina Silva a exonerar-se do cargo, afirmando de nada valer o posto, já que não havia campo de interesse que abrangesse suas propostas. Mas quando se trata de ampliar seus ganhos e gastos, os representante públicos mostram-se prontamente dispostos.
Também a Mata Atlântica um dia esbanjou beleza e exuberância, e hoje é sufocada em meio aos prédios e avenidas de grandes centros urbanos; não se pode permitir que o mesmo ocorra com a Floresta Amazônica. Fiscalização efetiva e projetos pautados em sustentabilidade (que visa conciliar desenvolvimento e preservação ambiental) resumem as ações a serem urgentemente tomadas, antes que a Amazônia venha a se tornar uma Caatinga estéril. Houve, na História, teo e antropocentrismo; entra em pauta agora uma nova e necessária vertente de pensamento: o ecocentrismo.

Desastrosos egoísmo e ignorância.

É fato: a Floresta Amazônica corre absurdo perigo. As estatísticas apontam dados cada vez mais alarmantes, e o Governo encobre seu descaso com falácias sobre a tomada de atitude, enquanto a fauna e as tribos nativas - que da floresta dependem - são grandemente lesados, ao mesmo tempo que o mais vasto e opulento ecossistema terrestre é agredido, arruinado e espoliado.
São inúmeros os ataques que a floresta sofre, todos movidos de forma ignorante pelo egoísmo humano, e que trazem assombrosas consequências. O desmatamento visando ao comércio ilegal; as queimadas promovidas por agricultores e pecuaristas que avançam sobre áreas de reserva por demandar um menor custo do que o investimento em métodos de produção intensivos; e o extrativismo mineral que, além de causar profunda erosão, contamina cursos d'água através da consequente deposição elevada de metais pesados em seus leitos (sejam resíduos do próprio produto extraído ou do método de extração, como no caso do mercúrio, utilizado no garimpo de ouro).
A Amazônia pode não ser o pulmão do mundo, mas é de singular importância para a manutenção do ciclo hidrológico - e, em decorrência, biológico - de grande parte do planeta. Ela é responsável por reter e possibilitar, assim, a evaporação de majestosas massas de água, combatendo o aquecimento global e sendo a principal reguladora do regime de chuvas de toda a América Latina - influenciando ainda nos climas de parte da América do Norte e África. Prejudicar o regime de chuvas acarreta prejuízos a toda a produção agropecuária (base da economia brasileira) e energética do Brasil - predominantemente hidrelétrica.
Enquanto a natureza sofre, os políticos mal tentam homiziar seu descaso - esse responsável por levar, no segundo mandato de Lula, a então ministra do Meio Ambiente Marina Silva a exonerar-se do cargo, afirmando de nada valer o posto, já que não havia campo de interesse que abrangesse suas propostas. Mas quando se trata de ampliar seus ganhos e gastos, os representante públicos mostram-se prontamente dispostos.
Também a Mata Atlântica um dia esbanjou beleza e exuberância, e hoje é sufocada em meio aos prédios e avenidas de grandes centros urbanos; não se pode permitir que o mesmo ocorra com a Floresta Amazônica. Fiscalização efetiva e projetos pautados em sustentabilidade (que visa conciliar desenvolvimento e preservação ambiental) resumem as ações a serem urgentemente tomadas, antes que a Amazônia venha a se tornar uma Caatinga estéril. Houve, na História, teo e antropocentrismo; entra em pauta agora uma nova e necessária vertente de pensamento: o ecocentrismo.

Bússola financeira.

Os Estados Unidos são a maior potência do mundo, país líder na economia de mercado e do qual muitos outros dependem. Não causa espanto - embora amedronte - que uma crise sofrida por esse país afete todo o restante do mundo capitalista, como ocorreu nos anos de 1929, 2000 e 2008, sendo que a última ainda não foi de todo superada e tem reflexos visíveis.
Entre tais reflexos, destacam-se, primordialmente: queda do valor de ações na Bolsa de Valores, desvalorização de taxas de câmbio e falta de liquidez para crédito. Com isso, os países afetados têm de controlar mais os gastos públicos, aumentar a arrecadação e controlar o fluxo de capitais. Além disso, torna-se mais difícil exportar e é preciso cuidar para que outros países não queiram "desovar" seus produtos no mercado daqueles que melhor se mantiverem ante o período de crise, como no caso do Brasil.
No que remete ao cidadão (brasileiro), o impacto se dá com o aumento dos juros - para ampliar a arrecadação pública - e a queda nos preços de alguns produtos - os quais, por terem sua exportação reduzida, são destinados ao mercado interno, ampliando a oferta -, além da diminuição de crédito, devido à insegurança quanto à movimentação exacerbada de dinheiro. Por último, pode haver corte de pessoal por parte de grandes empresas, no intuito de reduzir gastos ampliando o desemprego.
Isso mostra que os Estados Unidos, apesar de não mais potência hegemônica, ainda são a bússola neste mundo movido pela economia, e sem eles o mundo fica desnorteado. Revela ainda que Adam Smith, em sua obra liberalista "A riqueza das nações", pecou ao afirmar que a economia rege-se sozinha, mantendo-se equilibrada.
Tal problema - não só a crise, mas o fato de essa ter seu epicentro em um país e refletir de tamanha forma em tantos outros - é de uma profunda complexidade e, nesse caso - diferente da maioria -, não cabe ao povo muito a fazer, além de pagar os impostos e esperar devida postura do Governo, pois é a ele que compete tal situação. As medidas tomadas por nosso Estado aparentam ser positivas e capazes de manter a economia nos eixos, possibilitando o crescimento (mesmo que menor, o que é absolutamente necessário para manter a inflação sob controle). Esperemos que nossa presidente esteja preparada realmente para executar o roteiro projetado e alcançar as metas previstas, mantendo a estabilidade, até que surja um novo New Deal para socorrer a economia capitalista mundial.

Bússola financeira.

Os Estados Unidos são a maior potência do mundo, país líder na economia de mercado e do qual muitos outros dependem. Não causa espanto - embora amedronte - que uma crise sofrida por esse país afete todo o restante do mundo capitalista, como ocorreu nos anos de 1929, 2000 e 2008, sendo que a última ainda não foi de todo superada e tem reflexos visíveis.
Entre tais reflexos, destacam-se, primordialmente: queda do valor de ações na Bolsa de Valores, desvalorização de taxas de câmbio e falta de liquidez para crédito. Com isso, os países afetados têm de controlar mais os gastos públicos, aumentar a arrecadação e controlar o fluxo de capitais. Além disso, torna-se mais difícil exportar e é preciso cuidar para que outros países não queiram "desovar" seus produtos no mercado daqueles que melhor se mantiverem ante o período de crise, como no caso do Brasil.
No que remete ao cidadão (brasileiro), o impacto se dá com o aumento dos juros - para ampliar a arrecadação pública - e a queda nos preços de alguns produtos - os quais, por terem sua exportação reduzida, são destinados ao mercado interno, ampliando a oferta -, além da diminuição de crédito, devido à insegurança quanto à movimentação exacerbada de dinheiro. Por último, pode haver corte de pessoal por parte de grandes empresas, no intuito de reduzir gastos ampliando o desemprego.
Isso mostra que os Estados Unidos, apesar de não mais potência hegemônica, ainda são a bússola neste mundo movido pela economia, e sem eles o mundo fica desnorteado. Revela ainda que Adam Smith, em sua obra liberalista "A riqueza das nações", pecou ao afirmar que a economia rege-se sozinha, mantendo-se equilibrada.
Tal problema - não só a crise, mas o fato de essa ter seu epicentro em um país e refletir de tamanha forma em tantos outros - é de uma profunda complexidade e, nesse caso - diferente da maioria -, não cabe ao povo muito a fazer, além de pagar os impostos e esperar devida postura do Governo, pois é a ele que compete tal situação. As medidas tomadas por nosso Estado aparentam ser positivas e capazes de manter a economia nos eixos, possibilitando o crescimento (mesmo que menor, o que é absolutamente necessário para manter a inflação sob controle). Esperemos que nossa presidente esteja preparada realmente para executar o roteiro projetado e alcançar as metas previstas, mantendo a estabilidade, até que surja um novo New Deal para socorrer a economia capitalista mundial.

sábado, 10 de setembro de 2011

Loucura, morte, vida, realidade?

“Tenho que contar uma coisa, um segredo. Não pensava em partilhar isso desde já, não pensava em partilhar isso em momento algum, na verdade, mas a situação pede por tal atitude; assim, caso alguém encontre meu corpo inerte ao chão ladeado de sangue e uma navalha ou pendurado por uma corda com o pescoço retorcido em um ângulo obtuso, saberá o motivo que teria me levado a tamanha desventura. Primeiramente, devo dizer que não sou um louco, embora o que pretendo dizer possa causar essa impressão; devo ainda avisar que é algo arrepiante, anormal, irracional até,... mas é a verdade, e peço desculpas se tiver suas estimativas estilhaçadas, mas vamos lá: eu vejo espíritos!
Quero dizer, não se trata apenas de vê-los. Não, não é só isso, é bem pior. Eles me perseguem, invadem a minha casa e o meu espaço, me importunam e me vigiam o tempo todo. São como espiões, só que sem um pingo de discrição. Sinto seus olhos grudados em mim, não importa aonde eu vá. Não há paz.
Paz; é até estranho falar assim, acusar os espíritos, que deviam estar descansando em paz, de tirar a minha. Pode rir, mas se os tivesse à sua volta te cutucando e te puxando, não o faria. Essas projeções descoradas de defuntos são infernais, isso sim. Vai ver é por isso que estão aqui, foram barrados nas portarias do inferno.
Mas não foi assim desde o começo – na verdade, referir-se àquilo como o começo chega a ser maligno. O que quero dizer é que, depois daquele acontecimento, minha vida virou de cabeça para baixo – e eu parabenizaria qualquer um que mantivesse tudo sob controle depois de passar pelo que passei.
Não pretendo mencionar pelo que exatamente eu passei, e vou me referir a isso simplesmente como o ‘acontecimento’, para não definir do que se trata, mas garanto que realmente não foi algo agradável; a morte nunca o é, nem mesmo quando admiravelmente retratada por um dos geniosos boêmios do spleen; e assistir a pessoas serem desmembradas, reduzidas a pedaços de carne e ossos e poças de sangue não chega nem perto de ser agradável, tampouco descrevê-lo o é.
Talvez tenha sido isso que me fizera ter essa capacidade, e se digo capacidade é porque não ouso chamar de dom – trata-se mais de uma maldição. Talvez a morte seja uma espécie de portal e o modo de morrer seria nada além daquilo que empurra nossas almas contra esse portal; nesse caso, estar tão próximo da morte, como eu estive, tenha me aproximado desse portal de tal forma que se estabeleceu alguma conexão a mim; rasgou-se o véu que separa vivos e mortos, e estes agora me vêem e me procuram como uma forma de conexão ao mundo que tanto amam e ao qual não mais podem pertencer.
Meu tempo é curto, então enfatizarei somente o crucial. Começando pelo primeiro episódio, o marco inicial de tudo isso. Estava eu em minha casa, e não poderia ter sido em nenhum outro lugar, já que eu não mais saíra da mesma desde a minha quase travessia pelo portal guardado pela senhora esquelética acompanhada de sua gadanha. Eu estava na sala, dividindo o sofá com a caixa de uma das muitas pizzas que pa6ssaram a ser a base do meu cardápio diário, em frente à televisão, vendo o noticiário, mas sem prestar a mínima atenção. Minha mente vagava, não imagino por onde, quando foi bruscamente puxada de volta à realidade através da enorme surpresa que me acometeu quando meus olhos depararam-se, em um canto da sala onde tinham acabado de pousar instantes antes, e onde haviam visto nada mais que vazio, com a pálida e diminuta figura de uma linda garotinha com seus 7 ou 8 anos de idade, me fitando quietamente. Ela não esboçou nenhuma reação por vários instantes, até que sorriu para mim e, antes que eu pudesse reagir de alguma forma, levantou-se e correu porta afora. Corri atrás dela, recuperando, repentina e estranhamente, o controle do meu corpo. Mas quando atravessei a porta, que por sinal se encontrava fechada, não encontrei nada.
Naquele dia fui deitar cedo, mas demorei a dormir. Não conseguia tirar a figura da criança de minha cabeça, nem me forcei a tentar, sinceramente. Dormi pensando que teria sofrido de alucinações, mas estava enganado, como descobriria mais tarde. Na manhã seguinte acordei e lá estava a garota, fitando-me imóvel com seus grandes olhos castanhos. Quando percebeu que eu acordara, levantou-se calmamente e saiu do quarto, e eu mais uma vez agira tardiamente em segui-la, não a encontrando em local algum.
Muitas foram as vezes que a garotinha visitou-me nos dias que se seguiram, e parecera ter contado aos amigos a novidade de que eu podia vê-la, porque outros como ela, muitos outros, apareceram. Eu cheguei a pensar que estivesse louco, que meu médico devia ter deixado passar despercebido algum tumor no meu cérebro – mas não estava em condições de visitar um médico ou psiquiatra, nem com vontade de fazê-lo. Aos poucos me acostumei às visitas inesperadas, tanto que nem me surpreendia mais, afinal, eram meras ilusões que meu subconsciente disfuncional passou a criar como passatempo.
O estágio seguinte foi aquele que me causou maior assombro, quando começaram a tentar se comunicar comigo. Abriam as bocas para falar, mas não saía nada além de um gemido lamurioso e, insatisfeitos por eu não entendê-los ou por acharem que eu os ignorava, avançavam sobre mim, seguravam-me e arregalavam os olhos, plangentes por auxílio. Foi algo assustador, e ainda me arrepia lembrar as primeiras ‘experiências’ pelas quais passei. Afinal, alucinações visuais eram aceitáveis, mas auditivas e tácteis, se é que existiam, eram muito inacreditáveis. E foi quando passou pela minha cabeça uma nova teoria, a qual, inexplicavelmente, meu cérebro se agarrou com tamanha força que me obrigou a aceitá-la, e sobre a qual se baseia meu relato.
Depois de uma semana, eu já estava ficando realmente louco. As visões, agora promovidas a espíritos, não paravam de chegar. Aonde eu ia, havia algum. Eu já arriscava, algumas vezes, a sair às ruas, bem de manhã, quando ainda não havia ninguém, para caminhar. Não porque eu estava pensando na minha saúde, mas porque eu esperava que ali fosse ter sossego. Foi numa dessas caminhadas, em um dia um pouco mais ensolarado, apesar da chuva do dia anterior, em um parque não muito longe de casa, que avistei novamente a garotinha. Havia dias ela não aparecia, e achei estranho vê-la por ali. Mais estranho ainda foi a minha reação; ao perceber que ela não me olhava, como sempre fazia, tive o impulso de me aproximar dela.
Parei há uns dois metros de distância, sem saber o que fazer. E mais uma vez me surpreendi quando, sem delongas, ela me olhou e, pela primeira vez, disse algo:
– Sente. – tinha uma voz bela, aguda, mas muito límpida para a sua idade. Foi uma única palavra, mas eu sabia que não era algo comum, tamanha a dificuldade mostrada pelos outros fantasmas ao tentarem se comunicar. E exatamente por isso eu soube que algo maior estava prestes a acontecer.
Sentei-me, sem dizer nada, e aguardei. Alguns minutos se passaram sem que nenhum de nós dissesse nada, ela admirando a paisagem, eu tentando perceber para onde ela olhava, o vento cortante de inverno sibilando em meus ouvidos, em assopros quase regulares; percebi que, estranhamente, não estava sentindo frio. Mais uma vez, foi ela quem falou:
– Linda paisagem, não?
– É. – concordei indiferente.
– Sinto falta disso.
– Disso o que? – perguntei, agora curioso. Do que ela poderia sentir falta ali?
– Do vento, do cheiro da grama molhada, de tudo. Sinto falta de sentir. Você não?
– Como assim? Não posso sentir falta de algo que não perdi.
– Você ainda não percebeu, não é? – sua voz havia mudado para um tom mais solene. Era estranho como uma criança podia falar daquele modo. Eu me ative a sua voz, tentando não pensar no significado que aquela pergunta implicava.
– O que eu não percebi?
Ela não respondeu, o que provavelmente me deixou mais inquieto do que se o tivesse feito. Como não quis repetir a pergunta, resolvi mudar um pouco o caminho da conversa.
– Como você morreu? Quero dizer, você e todas aquelas pessoas que têm aparecido para mim, estão todos mortos, não estão?
Ela demorou um pouco a responder, e eu pensei tê-la visto estremecer, ou tremeluzir, quando eu perguntei, o que me fez pensar há quanto tempo ela havia falecido.
– Sim, estamos. – foi só o que ela disse, pulando a primeira pergunta. – Mas a questão não é essa, e você sabe disso.
– Eu sei?
– Sim, só não quer admitir.
– E qual seria a questão, então?
– Seria: como você morreu?
Eu não respondi. Não perguntei. Não disse mais nada, nem ela o fez. Fiquei parado. Depois de vários minutos, me levantei e saí andando, na direção oposta à minha casa. Não pensei em nada também. Simplesmente caminhei. Ela não me seguiu, não reapareceu na minha frente, não sumiu, simplesmente me observou partir, embora eu não tenha olhado para trás para conferir, mas sei disso. De repente, e contra a minha vontade, imagens começaram a vir a minha cabeça. Fazia sentido, afinal; desde o ‘acontecimento’, eu não voltara ao trabalho, não conversara com mais ninguém que conhecia, não havia feito nada que me provasse estar vivo. Não, é claro que eu fizera; afinal, de que outra forma eu teria podido usar o telefone, assistir à televisão, comer pizzas. Com certeza um morto não conseguiria fazer isso, a menos que eu não tivesse feito nada daquilo. Não fazia sentido algum, nada mais fazia.
Mas eu não iria conferir. Não havia vestígio de coragem em mim para que eu fosse a um cemitério procurar por uma cova com meu nome; à casa de um amigo para ver se, ao apertar-lhe a mão, esta atravessaria a minha; nem mesmo para voltar para casa, pesquisar na internet sobre os óbitos do último mês.
Tenho algo diferente em mente. Algo que vai me provar a minha real condição, o que não há de fazer muita diferença no final das contas. No início desse relato eu disse que talvez alguém encontrasse meu corpo inerte ou dependurado, junto a uma navalha ou a uma corda. Optei por algo mais clássico. Já está escuro, e venta muito forte aqui, mas só sei pelo movimento desordenado da bandeira no estandarte ao meu lado, pois não consigo sentir o vento; deve estar frio também. Espero que encontrem esse papel no meu bolso, junto ao que restar do meu corpo depois do impacto de 23 andares do qual um único passo me separa.
Isso é, se eu tiver um corpo.”
Breno Jorge Félix.

Loucura, morte, vida, realidade?

“Tenho que contar uma coisa, um segredo. Não pensava em partilhar isso desde já, não pensava em partilhar isso em momento algum, na verdade, mas a situação pede por tal atitude; assim, caso alguém encontre meu corpo inerte ao chão ladeado de sangue e uma navalha ou pendurado por uma corda com o pescoço retorcido em um ângulo obtuso, saberá o motivo que teria me levado a tamanha desventura. Primeiramente, devo dizer que não sou um louco, embora o que pretendo dizer possa causar essa impressão; devo ainda avisar que é algo arrepiante, anormal, irracional até,... mas é a verdade, e peço desculpas se tiver suas estimativas estilhaçadas, mas vamos lá: eu vejo espíritos!
Quero dizer, não se trata apenas de vê-los. Não, não é só isso, é bem pior. Eles me perseguem, invadem a minha casa e o meu espaço, me importunam e me vigiam o tempo todo. São como espiões, só que sem um pingo de discrição. Sinto seus olhos grudados em mim, não importa aonde eu vá. Não há paz.
Paz; é até estranho falar assim, acusar os espíritos, que deviam estar descansando em paz, de tirar a minha. Pode rir, mas se os tivesse à sua volta te cutucando e te puxando, não o faria. Essas projeções descoradas de defuntos são infernais, isso sim. Vai ver é por isso que estão aqui, foram barrados nas portarias do inferno.
Mas não foi assim desde o começo – na verdade, referir-se àquilo como o começo chega a ser maligno. O que quero dizer é que, depois daquele acontecimento, minha vida virou de cabeça para baixo – e eu parabenizaria qualquer um que mantivesse tudo sob controle depois de passar pelo que passei.
Não pretendo mencionar pelo que exatamente eu passei, e vou me referir a isso simplesmente como o ‘acontecimento’, para não definir do que se trata, mas garanto que realmente não foi algo agradável; a morte nunca o é, nem mesmo quando admiravelmente retratada por um dos geniosos boêmios do spleen; e assistir a pessoas serem desmembradas, reduzidas a pedaços de carne e ossos e poças de sangue não chega nem perto de ser agradável, tampouco descrevê-lo o é.
Talvez tenha sido isso que me fizera ter essa capacidade, e se digo capacidade é porque não ouso chamar de dom – trata-se mais de uma maldição. Talvez a morte seja uma espécie de portal e o modo de morrer seria nada além daquilo que empurra nossas almas contra esse portal; nesse caso, estar tão próximo da morte, como eu estive, tenha me aproximado desse portal de tal forma que se estabeleceu alguma conexão a mim; rasgou-se o véu que separa vivos e mortos, e estes agora me vêem e me procuram como uma forma de conexão ao mundo que tanto amam e ao qual não mais podem pertencer.
Meu tempo é curto, então enfatizarei somente o crucial. Começando pelo primeiro episódio, o marco inicial de tudo isso. Estava eu em minha casa, e não poderia ter sido em nenhum outro lugar, já que eu não mais saíra da mesma desde a minha quase travessia pelo portal guardado pela senhora esquelética acompanhada de sua gadanha. Eu estava na sala, dividindo o sofá com a caixa de uma das muitas pizzas que pa6ssaram a ser a base do meu cardápio diário, em frente à televisão, vendo o noticiário, mas sem prestar a mínima atenção. Minha mente vagava, não imagino por onde, quando foi bruscamente puxada de volta à realidade através da enorme surpresa que me acometeu quando meus olhos depararam-se, em um canto da sala onde tinham acabado de pousar instantes antes, e onde haviam visto nada mais que vazio, com a pálida e diminuta figura de uma linda garotinha com seus 7 ou 8 anos de idade, me fitando quietamente. Ela não esboçou nenhuma reação por vários instantes, até que sorriu para mim e, antes que eu pudesse reagir de alguma forma, levantou-se e correu porta afora. Corri atrás dela, recuperando, repentina e estranhamente, o controle do meu corpo. Mas quando atravessei a porta, que por sinal se encontrava fechada, não encontrei nada.
Naquele dia fui deitar cedo, mas demorei a dormir. Não conseguia tirar a figura da criança de minha cabeça, nem me forcei a tentar, sinceramente. Dormi pensando que teria sofrido de alucinações, mas estava enganado, como descobriria mais tarde. Na manhã seguinte acordei e lá estava a garota, fitando-me imóvel com seus grandes olhos castanhos. Quando percebeu que eu acordara, levantou-se calmamente e saiu do quarto, e eu mais uma vez agira tardiamente em segui-la, não a encontrando em local algum.
Muitas foram as vezes que a garotinha visitou-me nos dias que se seguiram, e parecera ter contado aos amigos a novidade de que eu podia vê-la, porque outros como ela, muitos outros, apareceram. Eu cheguei a pensar que estivesse louco, que meu médico devia ter deixado passar despercebido algum tumor no meu cérebro – mas não estava em condições de visitar um médico ou psiquiatra, nem com vontade de fazê-lo. Aos poucos me acostumei às visitas inesperadas, tanto que nem me surpreendia mais, afinal, eram meras ilusões que meu subconsciente disfuncional passou a criar como passatempo.
O estágio seguinte foi aquele que me causou maior assombro, quando começaram a tentar se comunicar comigo. Abriam as bocas para falar, mas não saía nada além de um gemido lamurioso e, insatisfeitos por eu não entendê-los ou por acharem que eu os ignorava, avançavam sobre mim, seguravam-me e arregalavam os olhos, plangentes por auxílio. Foi algo assustador, e ainda me arrepia lembrar as primeiras ‘experiências’ pelas quais passei. Afinal, alucinações visuais eram aceitáveis, mas auditivas e tácteis, se é que existiam, eram muito inacreditáveis. E foi quando passou pela minha cabeça uma nova teoria, a qual, inexplicavelmente, meu cérebro se agarrou com tamanha força que me obrigou a aceitá-la, e sobre a qual se baseia meu relato.
Depois de uma semana, eu já estava ficando realmente louco. As visões, agora promovidas a espíritos, não paravam de chegar. Aonde eu ia, havia algum. Eu já arriscava, algumas vezes, a sair às ruas, bem de manhã, quando ainda não havia ninguém, para caminhar. Não porque eu estava pensando na minha saúde, mas porque eu esperava que ali fosse ter sossego. Foi numa dessas caminhadas, em um dia um pouco mais ensolarado, apesar da chuva do dia anterior, em um parque não muito longe de casa, que avistei novamente a garotinha. Havia dias ela não aparecia, e achei estranho vê-la por ali. Mais estranho ainda foi a minha reação; ao perceber que ela não me olhava, como sempre fazia, tive o impulso de me aproximar dela.
Parei há uns dois metros de distância, sem saber o que fazer. E mais uma vez me surpreendi quando, sem delongas, ela me olhou e, pela primeira vez, disse algo:
– Sente. – tinha uma voz bela, aguda, mas muito límpida para a sua idade. Foi uma única palavra, mas eu sabia que não era algo comum, tamanha a dificuldade mostrada pelos outros fantasmas ao tentarem se comunicar. E exatamente por isso eu soube que algo maior estava prestes a acontecer.
Sentei-me, sem dizer nada, e aguardei. Alguns minutos se passaram sem que nenhum de nós dissesse nada, ela admirando a paisagem, eu tentando perceber para onde ela olhava, o vento cortante de inverno sibilando em meus ouvidos, em assopros quase regulares; percebi que, estranhamente, não estava sentindo frio. Mais uma vez, foi ela quem falou:
– Linda paisagem, não?
– É. – concordei indiferente.
– Sinto falta disso.
– Disso o que? – perguntei, agora curioso. Do que ela poderia sentir falta ali?
– Do vento, do cheiro da grama molhada, de tudo. Sinto falta de sentir. Você não?
– Como assim? Não posso sentir falta de algo que não perdi.
– Você ainda não percebeu, não é? – sua voz havia mudado para um tom mais solene. Era estranho como uma criança podia falar daquele modo. Eu me ative a sua voz, tentando não pensar no significado que aquela pergunta implicava.
– O que eu não percebi?
Ela não respondeu, o que provavelmente me deixou mais inquieto do que se o tivesse feito. Como não quis repetir a pergunta, resolvi mudar um pouco o caminho da conversa.
– Como você morreu? Quero dizer, você e todas aquelas pessoas que têm aparecido para mim, estão todos mortos, não estão?
Ela demorou um pouco a responder, e eu pensei tê-la visto estremecer, ou tremeluzir, quando eu perguntei, o que me fez pensar há quanto tempo ela havia falecido.
– Sim, estamos. – foi só o que ela disse, pulando a primeira pergunta. – Mas a questão não é essa, e você sabe disso.
– Eu sei?
– Sim, só não quer admitir.
– E qual seria a questão, então?
– Seria: como você morreu?
Eu não respondi. Não perguntei. Não disse mais nada, nem ela o fez. Fiquei parado. Depois de vários minutos, me levantei e saí andando, na direção oposta à minha casa. Não pensei em nada também. Simplesmente caminhei. Ela não me seguiu, não reapareceu na minha frente, não sumiu, simplesmente me observou partir, embora eu não tenha olhado para trás para conferir, mas sei disso. De repente, e contra a minha vontade, imagens começaram a vir a minha cabeça. Fazia sentido, afinal; desde o ‘acontecimento’, eu não voltara ao trabalho, não conversara com mais ninguém que conhecia, não havia feito nada que me provasse estar vivo. Não, é claro que eu fizera; afinal, de que outra forma eu teria podido usar o telefone, assistir à televisão, comer pizzas. Com certeza um morto não conseguiria fazer isso, a menos que eu não tivesse feito nada daquilo. Não fazia sentido algum, nada mais fazia.
Mas eu não iria conferir. Não havia vestígio de coragem em mim para que eu fosse a um cemitério procurar por uma cova com meu nome; à casa de um amigo para ver se, ao apertar-lhe a mão, esta atravessaria a minha; nem mesmo para voltar para casa, pesquisar na internet sobre os óbitos do último mês.
Tenho algo diferente em mente. Algo que vai me provar a minha real condição, o que não há de fazer muita diferença no final das contas. No início desse relato eu disse que talvez alguém encontrasse meu corpo inerte ou dependurado, junto a uma navalha ou a uma corda. Optei por algo mais clássico. Já está escuro, e venta muito forte aqui, mas só sei pelo movimento desordenado da bandeira no estandarte ao meu lado, pois não consigo sentir o vento; deve estar frio também. Espero que encontrem esse papel no meu bolso, junto ao que restar do meu corpo depois do impacto de 23 andares do qual um único passo me separa.
Isso é, se eu tiver um corpo.”
Breno Jorge Félix.